Conceito de Crime
Na obra de Franz von Liszt, verifica-se o seguinte conceito de crime: “Crime é o injusto contra o qual o Estado comina pena e o injusto, quer se trata de delicto do direito civil, quer se trate do injusto criminal, isto é, do crime, é a ação culposa e contraria ao direito.”[1] A doutrina debita a Tiberio Deciano, jurisconsulto italiano, a primeira formulação sistemática do delito, em 1590, em que definira o crime como: “fato humano proibido por lei, sob ameaça de pena, para o qual não se apresentava justa causa para a escusa”.[2] Como forma de reprimir o crime, sempre fora imposta leis, que definira as respectivas limitações e proibições; a pena tinha sido o meio usado pelas autoridades em nome do Estado para impor contra àqueles que cometessem um delito. Podem ser citadas como exemplo as Leis das XII Tábuas, na Tábua 2, no artigo 6º que dizia: “Se o ladrão durante o dia defender-se com arma, que a vítima peça socorro com altas vozes e se, depois disso, matar o ladrão, que fique impune.”[3] O Código de Hamurabi, no artigo 6º que dizia: “Se alguém furta bens do Deus ou da Corte deverá ser morto; e mais quem recebeu dele a coisa furtada também deverá ser morto.”[4] Como antítese ao exposto anteriormente e idealizando a finalidade de buscar meios de prevenir o crime, Cesare Beccaria traz em sua obra “Dos delitos e das penas”:
“É preferível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que recuperá-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência. Contudo, os processos até hoje utilizados são geralmente insuficientes e contrários à finalidade que se propõem.”[5]
Logo, a partir do momento em que alguém pratica uma conduta tipificada como crime, e não haja nenhuma excludente de ilicitude e nenhuma dirimente da culpabilidade, essa pessoa será considerada criminosa.
No entanto, fazendo uma pequena digressão, a respeito do sujeito ativo criminoso, Cesare Lombroso, na Itália, por meio de seus estudos, dera início a um movimento científico que considera criminoso um ser humano atávico, e a Antropologia Criminal fora responsável pelas modificações de referenciais quando da análise do delito.
A Sociologia Criminal, de Enrico Ferri, e a Criminologia, de Garofalo, logo depois, deram prosseguimento nos passos exordiais de Lombroso e firmaram como um fundamento da responsabilização penal o fato de que o delinquente vivera em sociedade.[6]
1. Conceito Material de Crime
Antes é importante saber o conceito material do crime, que é a violação de um bem jurídico penalmente protegido, e alguns destes bens jurídicos tutelados estão positivados em títulos no Código Penal, como por exemplo: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio, dos crimes contra os costumes, dos crimes contra a administração pública, entre outras.
Edgard Magalhães Noronha, afirma a melhor orientação do conceito material de crime ao expor as seguintes considerações: “Crime é a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal.”[7]
Nos ensinamentos de Giuseppe Bettiol, colaciona-se o seguinte conceito:“Crime é qualquer fato do homem, lesivo de um interesse, que possa comprometer as condições de existência, de conservação e de desenvolvimento da sociedade”.[8]
Na doutrina de Jiménez de Asúa, em que pese ter utilizado a denominação, “uma norma de cultura”, tem a seguinte definição:
Crime é a conduta considerada pelo legislador como contrária a uma norma de cultura reconhecida pelo Estado e lesiva de bens juridicamente protegidos, procedente de um homem imputável que manifesta com sua agressão perigosidade social.[9]
É sabido que em nosso ordenamento jurídico uma norma reconhecida pelo Estado em matéria penal, somente poderá ser por meio de lei federal, haja vista que o art. 22, inciso I, da Carta Magna, prevê a competência privativa da União, para legislar em matéria penal.
2. Conceito Formal de Crime
Sob o ponto de vista formal, o crime seria uma contradição entre a lei penal e o fato praticado pelo agente. No entanto, este tópico não exaure o conceito de crime, Como afirma o professor Mirabete, o sobredito conceito alcança tão somente um dos aspectos do fenômeno criminal.
Nesse diapasão, outros doutrinadores constroem seus conceitos, e de forma bem sucinta, o conceito de formal de crime para Giuseppe Maggiore é o seguinte: “Crime é qualquer ação punível”.[10] Já entre nós, o conceito formal de crime, para Manoel Pedro Pimentel, conclui-se da seguinte forma: “Crime é uma conduta (ação ou omissão) contrária ao Direito, a que a lei atribui pena”.[11]
3. Conceito Analítico ou Estratificado de Crime
Já no conceito analítico ou estratificado do crime tem divergência, e é a partir deste momento que ocorre uma das maiores controvérsias acerca da teoria do crime, e nela serão investigados os temas acerca desse conceito e posteriormente a teoria da ação, que também é outro tema que causa muita divergência. Posterior ao crivo dos conceitos abordados, percebe-se que aqueles não definem com exatidão o conceito de crime, logo, a finalidade da criação do conceito analítico é exatamente para que se obtenha uma análise dos caracteres e dos elementos do crime.
Acerca desse conceito histórico desses elementos da estrutura analítica do crime, de maneira bem sucinta preleciona Luiz Régis Prado:
[…] a ação, como primeiro requisito do delito, só aparecera com Berner em 1857, sendo que a idéia de ilicitude, desenvolvida por Rudolf von Lhering em 1867 para área civil, fora introduzida no Direito Penal por obra de Franz von Liszt e Beling em 1881, e a culpabilidade, com origem em Merkel, desenvolvera-se pelos estudos de Binding em 1877. Posteriormente, no início do século XX, graças a Beling em 1906, surgira a idéia de tipicidade.[12]
Como esta parte é bem complexa, será desenvolvida a partir de agora, uma abordagem específica para que fique claro este conceito, arrolando suas divergências.
3.1. Concepção Bipartida
Para esta corrente, crime é todo “fato típico, ilícito”, logo, para esses, a culpabilidade não faz parte do conceito analítico de crime, sendo então apenas um pressuposto de aplicação da pena, logo, essa linha de raciocínio é seguida pelos doutrinadores como: Damásio de Jesus, Celso Delmanto, Júlio Fabbrini Mirabete, Fernando Capez, Renê Ariel Dotti, entre outros.
Por esta concepção soa uma lacuna, isto é, torna o conceito analítico de crime incompleto, ao cogitar que a culpabilidade não faz parte deste. Logo, é muito mais correta a análise do concomitante da tipicidade, ilicitude e da culpabiliade, portanto, esta conclusão é corroborada pela maioria da doutrina.
3.2. Concepção Tripartida (Majoritária)
Esta concepção, certamente aparenta ser a mais coerente, tendo em vista que não somente a culpabilidade é um pressuposto da pena, mas também a tipicidade e a ilicitude, no entanto, ambas colaboram para que o agente seja responsabilizado ou não elo delito praticado.
Partindo para o lado histórico, percebe-se que a concepção tripartida, sugira com Beling, que ao criar o conceito de tipo, passou-se a integrar o conceito estratificado de crime, como se vê na obra de Fernando Galvão e Rogério Greco: “A inicial estruturação analítica bipartida pelo critério objetico-subjetivo sofreu constantes revisões. Com Beling, tomou a forma tripartida, através da introdução do conceito de tipo.”[13]
Para esta segunda corrente, entrementes, o próprio Welzel admite que para ocorrer uma analise de maneira completa, e concluir que o fato praticado na finalidade do agente é crime ou não, deve-se analisar os caracteres da tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Para ratificar esse parágrafo trago a lume à definição de Winfried Hassemer, in verbis: “La definicion según la cual el hecho punible es la acción típica, antijurídica y culpable”.[14]
Assis Toledo, adota também esta concepção, sendo a sua definição a seguinte:
Substancialmente, o crime é um fato humano que lesa ou expõe a perigo bem jurídico (jurídico-penal) protegidos. Essa definição é, porém, insuficiente para a dogmática penal, que necessita de outra mais analítica, apta a pôr à mostra os aspectos essenciais ou os elementos estruturais do conceito de crime. E dentre as várias definições analíticas que têm sido propostas por importantes penalistas, perece-nos mais aceitável a que considera as três notas fundamentais do fato-crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade). O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita e culpável.[15]
Nesta concepção seguem a maioria, como os seguintes doutrinadores: Cezar Bitencourt, Edgard Magalhães Noronha, Francisco de Assis Toledo, Heleno Fragoso, Anibal Bruno, Frederico Marques, Nelson Hungria, Juarez Tavares, Guilherme Nucci, Paulo José da Costa Júnior, Luís Régis Prado, Rogério Greco, Fernando Galvão, Hans Wlezel, entre outros.
3.3. Concepção Tetrapartida ou Quadripartida
Existe também esta terceira corrente, apesar de ser minoritária e nunca ter sido adotada pelo Código Penal Brasileiro, que o crime é todo fato “típico, ilícito, culpável e punível”, sendo esta defendida por Basileu Garcia e Munhõz Conde.
[…] considerando que a política criminal deve definir o âmbito da incriminação, bem como os postulados da dogmática jurídico-penal, Roxin sustenta que a responsabilidade do autor do fato punível também deve ser elemento do conceito analítico do delito.[16]
3.4. Concepção Pentapartida
O professor Francesco Carnelut, chegou a vislumbrar esta concepção, adotando em seu estudo qualitativo do delito conceitos sistemáticos peculiares ao negócio jurídico, sendo os elementos: “[…] da capacidade, da legitimação, da causa, da vontade e da forma”; não percebendo as diferenças ontológicas entre o delito e o negócio jurídico.[17]
Autor: MARQUES, Márcio Rangel
Obs.: Parte do artigo “A Teoria do Crime”, produzido no grupo de pesquisa na Faculdade de Direito em 2008.
REFERÊNCIAS
[1] LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Traduzido por: José Hygino Duarte Pereira. Rio de Janeiro: Editora F. Briguret & C. 1899. p. 183.
[2] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Op. cit. p. 15 In Fernando Galvão e Rogério Greco, Estrutura Jurídica do Crime. Belo Horizonte: Mandamentos. 1999. p. 46.
[3] PRADO, Antônio Orlando de Almeida, (organizador). Código de Hamurabi, Leis da XII Tábuas, Manual dos Inquisidores, Lei de Talião. São Paulo: ed. Paulistanajur. 2004. p. 57.
[4] Ibidem. p. 10.
[5] BECCARIA, Cesare. Dei Delitti e Delle Pene.1764. Traduzido pela editora Martn Claret. São Paulo: 2007. p. 101.
[6] GALVÂO, Fernando; GRECO Rogério, Estrutura Jurídica do Crime. Belo Horizonte: Mandamentos. 1999. p. 40-41.
[7] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 15ª ed. São Paulo: Saraiva,1983. v. 1. p.410 in Júlio Fabbrini Mirabete, Renato N. Fabbrini. Manual de direito penal, parte geral. 24ª ed. São Paulo: Atlas. 2007. p.82
[8] BETTIOL, Giuseppe. Direito penal, parte geral. Coimbra: Coimbra editora. 1978, v. 1. p. 105 in Júlio Fabbrini Mirabete, Renato N. Fabbrini. Manual de direito penal, parte geral. 24ª ed. São Paulo: Atlas. 2007. p.
[9] ASÚA, Jiménez de. Tratado de derecto penal. Buenos Aires: Losada. 1951. v. 3. p. 61 in op. cit. p.
[10] MAGGIORE, Giuseppe. Direito Penale. 5ª ed. Bolonha: Nicola Zanelli. 1951. v. 1. p.189 in op. cit. p.
[11] PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. p. 2 in Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini. Manual de direito penal, parte geral. 24ª ed. São Paulo: Atlas. 2007. p. 81.
[12] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral. p. 135 in Rogério Greco. Curso de direito penal, parte geral. Niterói: Impetus, 2007. v. 1. p. 141.
[13] BELING, Ernest von. La doctrina del delito-tipo, p. 11 in Fernando Galvão e Rogério Greco, Estrutura jurídica do crime. Belo Horizonte: Editora Mandamentos. 1999. p. 47.
[14] HASSEMER, Winfried. Fundamentos del derecho penal. Traducción y notas de Francisco Muñoz Conde; Luis Arroyo Zapatero. Barcelona: casa editorial Boch – Urgel, 51 bis. 1984. p. 255.
[15] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos do direito penal, São Paulo: Saraiva p.80. in Fernando Galvão e Rogério Greco, Estrutura jurídica do crime. Belo Horizonte: Editora Mandamentos. 1999. p. 30.
[16] ROXIN, Claus. Política criminal y estructura del delito, elementos de delito en la base a la política criminal. Barcelona: PPU, 1992. p. 62 in Fernando Galvão e Rogério Greco, Estrutura jurídica do crime. Belo Horizonte: Editora Mandamentos. 1999. p.49
[17] CARNELUTTI, Franceso. Teoria geraal del delito, p. 56-256 in Fernando Galvão e Rogério Greco, Estrutura jurídica do crime. Belo Horizonte: Editora Mandamentos. 1999. p.48.